Quem são os Orixás e quem são os Eboras?

Vitor Cardozo
4 min readMar 19, 2022

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Na diáspora é muito comum adotarmos o termo Orixá para designar todas as divindades que cultuamos, e ainda é comum acreditar que todas essas divindades tiveram uma vida terrena. Pois bem, não é bem assim, hoje vamos nos debruçar nesse assunto para termos um melhor e mais amplo entendimento de como se organiza e se estrutura as divindades que cultuamos e manifestamos.

A primeira coisa ao se pensar Orixá é entender que essas divindades são organizadas em grupos, os irúnmalè Osí e os irúnmalè Otun. Eledumaré transmite aos Irunmolés o poder de regular o mundo, e adentrando a parte que nos interessa, eles são divididos em dois grupos. Os quatrocentos irunmolés da direita e os duzentos irunmolés da esquerda como já mencionado nesse trabalho. Os 400 da direita seriam os Orixás e os 200 da esquerda seriam os Eboras.

Entende-se por irúnmalè todos os àra-òrun ou seja, todos os corpos do “céu”, os espíritos criados diretamente por Eledumaré. É preciso dizer que traduzir òrun não é uma tarefa fácil, pois ter entendimento do que seria esse espaço no ocidente é complexo, pois somos atraídos pela ideia do céu cristão, mas o òrun seria um espaço que coexiste com o nosso plano simultaneamente, daí a ideia dos duplos o que é outra história.

Em Os Nagô e a Morte, Juana dos Santos diz: “O termo ebora quase desapareceu no Brasil e chamam-se orixá todas as entidades… Os Ebora constituem os duzentos irúnmalè da esquerda, encabeçados por Oduduwa…

Os 400 irúnmalè da direita são os Orixás Funfun, ou seja, os primordiais aqueles que participaram da criação do mundo, logo não tendo uma existência terrena, trazendo para nosso contexto diaspórico seriam os orixás que se trajam de branco e ou possuem uma ligação direta com Obatala/ Osaala. Dentro desse grupo os Funfuns originais digamos assim, são em média 154 divindades que no Brasil estão aglutinados no culto de Osaala e Orixá Ogiyan. São considerados os pais dos Irunmolés da esquerda e de toda humanidade.

Os 200 da esquerda é o grupo liderado por Oduduwa. E aqui teremos nossas divindades populares Ogum, Oiá, Xangô, Oxumaré e Egum (ancestrais) que possuem seu culto intimamente ligados a noção familiar, o que traz a ideia de ancestral divinizado.

O Dictionary of Modern Yoruba, Abraham define: “Ebora — um tipo de Egungun” (p.172)

O que discordo, pois estes seres em suas narrativas não foram tocados por Iku a morte, simplesmente eles a transcenderam de forma que seus corpos físicos não foram sepultados, aqui lembramos dos nossos itãs, onde diz que Ogun entrou terra adentro, Osun se encantou num rio junto a Obá, e por aí vai.

É importante ter o entendimento que em Iorubaland o culto as divindades não são hegemônicas, existem as divindades mais populares e algumas outras de culto muito restrito a pequenas famílias que podem nem ser conhecidos em outras regiões. Voltando ao centro do texto Verger vai dizer que Os Oríxas e os Ebora são intermediários entre Olodumare e os seres humanos, e recebem por delegação alguns de seus poderes” (Orixás, p.21). Desse modo fica claro perceber que há uma diferença entre os grupos, mas, que ambos cumprem a mesma função.

Orixás são a própria força da natureza, os fenômenos da natureza encarnados e personificados. Já os Eborás, foram pessoas de grande relevância histórica que durante seu percurso na terra se destacaram ou apresentaram alguma ligação “mágica” com essas forças da natureza o que levou ao processo de divinação após a morte. É interessante dizer, que alguns Orisas tiveram encarnações

Vamos a um exemplo ilustrativo: Osun é Orixá primordial, entretanto em Oyó uma das esposas de Sango era de rara beleza e possuía personalidade muito parecida com Osun, inclusive tinha “poderes” de fecundidade e amplo domínio das águas, certo dia essa esposa sumiu no rio, pois bem ela foi divinizada como uma passagem de Osun na Terra.

Mas, retomando a estrutura das divindades, ainda temos um terceiro grupo que são os Imolés que são divididos em subgrupos. Imolés são os sobrenaturais das terras, seres também criados por Eledumare mas, que não possuem o mesmo papel que Orixá/Ebora. A exemplo disso teremos os: Iwin, Aroni, Oku Orun ou Esa, Òro e Elenini. Um fato importante é que Iwin são espíritos, se divindindo em dois grupos Iwin que são espíritos que normalmente habitam a floresta amigos de Osaniyn e Aroni e temos os Iwin Buruku que são espíritos de humanos desencarnados que não atingiram o itunlá, ficando presos na terra. Esses seriam a terminologia correta para o que entendemos no candomblé como Egun com conotação negativa.

Desse modo devemos ampliar nosso entendimento para o contexto original do culto, o panteão Ioruba traz a ideia de 200 divindades mais uma, isso fazendo alusão plural a quantidade de irúnmalè. No início da sociedade ioruba havia muitas poucas divindades cultuadas, muito provavelmente apenas os Orixás, mas com o passar do tempo a expansão do culto e a própria temporalidade essas divindades foram aumentando, chegando então os Eborás e até mesmo outras divindades que foram assimiladas ou aglutinadas pelos processos migratórios e as conquistas de guerra.

Sendo assim, acredito que com esse texto tenha ficado de claro entendimento a diferença entre Orixás, Eborás e Imolés. Em um segundo momento irei me debruçar mais a fundo na categoria Ebora, já que essa é a maior base do culto que temos aqui na diáspora.

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