A Maconha e a Macumba um encontro nas encruzilhadas brasileira.

Vitor Cardozo
6 min readAug 9, 2022

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Esse será um daqueles textos que não traz a pretensão em chegar em uma “verdade”, a ideia aqui é entendermos como Candomblé e Maconha se encontram nas encruzilhadas do Brasil. Tentarei trazer algumas informações interessantes para possibilitar que cada orí seja capaz de ter seu entendimento e a partir disso construir sua própria opinião.

Segundo alguns autores a Maconha teria sido introduzida no Brasil no período da escravização, trazida pelos negros escravizados:

“Entrou pela mão do vício. Lenitivo das rudezas da servidão, bálsamo da cruciante saudade da terra longínqua onde ficara a liberdade, o negro trouxe consigo, ocultas nos farrapos que lhe envolviam o corpo de ébano, as sementes que frutificariam e propiciariam a continuação do vício” (Dias, 1945).

“Provavelmente deve-se aos negros escravos a penetração da diamba no Brasil; prova-o até certo ponto a sua denominação fumo de Angola” (Lucena, 1934).

No século XVIII a Coroa Portuguesa teve preocupações por conta do cultivo da Cannabis no Brasil, entretanto essa preocupação não era de cunho negativo, a Coroa estimulava o cultivo da planta.

“aos 4 de agosto de 1785 o Vice-Rei (…) enviava carta ao Capitão General e Governador da Capitania de São Paulo (…) recomendando o plantio de cânhamo por ser de interesse da Metrópole (…) remetia a porto de Santos (…) ‘dezesseis sacas com 39 alqueires’ de sementes de maconha…” (Fonseca, 1980).

O que é importante entender que no primeiro momento a utilização da maconha entre os negros transitava no universo da medicina. Com o avançar dos anos que a erva passou a ser utilizada para fins “recreativos” e não só pelos negros como também pelos índios. Mas, esse consumo não era um problema, uma vez que a tímida utilização ficava restrita a essa camada da sociedade que era extremamente marginalizada.

Entretanto na metade do XIX a Maconha ganha fama entre as classes mais abastadas após a publicação dos estudos do Prof. Jean Jacques Moreau da Faculdade de Medicina, ela logo foi acolhida pela comunidade médica, e passou a ser utilizada como tratamento para várias coisas. Somente nos anos de 1930 que se começa a ter uma política de repressão e condenação ao uso da Maconha por parte do Estado.

Em 1924 aconteceu em Genebra a II Conferência Internacional do Ópio, encontro que tinha como função discutir as questões referentes ao uso do Ópio e da Coca. Mas, o delegado brasileiro juntamente com o egípcio se esforçou para trazer a maconha também para o debate, mesmo o encontro não estando preparado para tal coisa.

“De poucos anos a essa parte, ativam-se providências no sentido de uma luta sem tréguas contra os fumadores de maconha. No Rio de Janeiro, em Pernambuco, Maranhão, Piauhy, Alagoas e mais recentemente Bahia, a repressão se vem fazendo, cada vez mais energia e poderá permitir crer-se no extermínio completo do vício.”

“A proibição total do plantio, cultura, colheita e exploração por particulares da maconha, em todo território nacional, ocorreu em 25/11/1938 pelo Decreto-Lei nº 891 do Governo Federal” (Fonseca, 1980).

Conhecendo a rota da Maconha no Brasil entendemos como ela surge, se consolida e se marginaliza na sociedade. Agora vamos seguir caminhando por essa encruzilhada e entender essa planta a partir de um contexto místico. É sabido que as plantas alucinógenas possuem utilização em vários cultos religiosos, acreditando que o entorpecimento conduz ao encontro com o sagrado, e não só, propiciando também a expansão do conhecimento. A dessacralização dessas plantas foi um longo processo operado por várias forças ligadas ao Estado: políticas, religiosas, econômicas e morais.

Se faz importante a informação de que a Maconha chega na África por volta do Século X a partir do Egito, trazida pelos Árabes vindos da índia, Arabia Saudita e Pérsia. Logo seu uso se expandiu pela África Ocidental e estava presente em muitos ritos, utilizada como “defumação” possibilitando a inalação por parte daqueles que compunham os ritos.

Bom sem mais delongas, acredito que até aqui tenha trazido todas as informações necessárias, voltaremos agora ao tema central a Afro Religiosidade e a Maconha. Dória, autor do trabalho “os fumadores de maconha” identificou o uso da Cannabis nos catimbós de Pernambuco, ele define o encontro religioso como “lugares onde se fazem os feitiços, e são frequentados pelos que vão ali procurar a sorte e a felicidade”.

Segundo Arthur Ramos (O negro brasileiro: 1º volume: ethnographia religiosa) a “allucinose aguda” dos “fumadores do haschich” tinha sua origem nas “macumbas e catimbós”, de onde se alastrava “pelos quarteis, prisões e nos grupos da mala vita brasileira.

Penso que desde o início desse texto se faz possível perceber muito claramente que a associação da Maconha com o povo preto e sua cultura, e não por um acaso começamos a perceber a marginalização de todo o conjunto. Mas, seguimos nossa investigação. Interessante que nesse contexto não há uma separação do uso da erva de forma ritual para o uso mundano, é tudo pensado como hábitos de gente de vida ruim. Segue um trecho de um depoimento de um Médico Paulista retirado de uma obra de Roger Bastide

“depois de passar das seitas religiosas aos jogadores e às prostitutas de cor e, através dessas aos brancos, tanto de classe alta como de classe baixa, que parecem possuir menos defesas gente [frente] a seus efeitos patológicos, ameaça transformar-se em um verdadeiro flagelo nacional”

Novamente Doria vai relatar que a maconha era utilizada “nos sambas e batuques, que são danças aprendidas dos pretos africanos” Já Heitor Péres (“Diambismo”, Maconha: coletânea de trabalhos brasileiros) nos estados nordestinos, onde havia “maior influência africana”, era mais comum a existência dos “clubes de diambistas”, nos quais predominavam “magia e misticismo” nos rituais. O “ambiente do vício” era preenchido pelo “côro dos companheiros”, que entoavam os “cânticos negros” com “religiosidade”.

Muito dos autores aqui trazidos em seus trabalhos fazem um grande em esforço para superestimar o poder da maconha, inclusive seu poder alucinógeno. Percebe-se a dificuldade desses autores de identificarem a religião específica que esses negros praticavam e que faziam uso da maconha em seus rituais. Heitor Péres vai dizer que a maconha, queiram ou não os pais de terreiro, coisa da ortodoxia de seus ritos, muitas vezes, como o álcool, entra no ritual dos canjerês e candomblés; já tendo sido observado tal fato até na supercivilizada Rio de Janeiro.

A associação negativa do negro com a maconha e sua religiosidade, não para de ser escupida Gilberto Freyre (O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX) vai dizer que “os negros trouxeram a maconha para o Brasil e aqui cultivaram como planta meio mística, para ser fumada em candomblés e xangôs, pelos babalorixás e pelos seus filhos”. Infelizmente o autor não dá referências ou fontes para essa informação, muito provavelmente tirou-a do mesmo contexto de sua democracia racial.

Sabemos que o candomblé manipula o axé contido nos reinos mineral, animal e vegetal, dessa forma a botânica é amplamente trabalhada no candomblé, e sendo a maconha uma planta com várias atribuições medicinais, como inclusive era utilizada em sua chegada no Brasil, como já visto nesse texto. Verger em seu livro sobre ervas, coloca a Cannabis Sativa L. como erva que participa do culto aos orixás. Segundo ele seu nome iorubá é “Igbó”. O autor apresenta uma relação composta por mais de 400 receitas separadas por “objetivos”: uso medicinal — analgésico, anestésico, cicatrizante, entre outros; relativas à gravidez e ao nascimento; e relacionadas às divindades, além de trabalhos de uso benéfico, maléfico ou proteção contra trabalhos maléficos. A maconha aparece em apenas uma receita dentro da categoria de “trabalhos de uso maléfico”: o “trabalho para enlouquecer alguém”, composto por mais três plantas, além da maconha.

Podemos concluir então que houve um profundo processo de demonização da Maconha e sua associação com o negro e o que era do negro, justamente em um período em que a perseguição e a repressão por toda expressão cultural preta eram grandes, não por um acaso começam surgir algumas explicações “frágeis” para desassociar a erva dos cultos religiosos negros que sofriam severas investidas policiais.

A História da maconha no Brasil é muito mais marcada pelo racismo do que por danos diretos causados pela erva. Temos alguns Odus que vão nos convidar a pensar as relações viciosas em nossas vidas, 11 Owari vai condenar os excessos, esse Odu vai dizer que os excessos que nos matam, aqui podemos perceber então que qualquer relação viciosa e exacerbada se faz danosa. Há um outro dito que vai dizer que Oti o Álcool é alegria, mas em excesso também é vergonha. 3 Ogundameji também vai nos alertar para os malefícios dos vícios.

Pois bem, o que quero dizer é que nenhum dos Odus condenam a maconha de forma específica, eles sempre vão falar da relação do vício do excesso, ou seja, como tudo na vida precisamos manter o equilíbrio. Nos é garantido o livre arbítrio sempre, eu preciso entender qual a minha relação com essa ou qualquer outra substância com potencial “destrutivo” em minha vida.

Ewó sempre será nos conduzirmos a situações vexatórias, ewó sempre será eu desperdiçar minha vida, ewó será eu desonrar meus ancestrais, desrespeitar minha família, causar mal aos outros. Desse modo toda e qualquer substancia que te coloque nessas situações serão Ewó.

Ogun Yande

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